Algumas até me fazem chorar. Outras gargalhar. Entretanto, são minhas lembranças. Meus retalhos que ao longo do caminho fui recortando e montando colcha que, inacabada, continua sendo tecida.
Pedacinhos aqui, pedacinhos acolá. Pessoas. Frases soltas. Lugares. Passeios pela Internet. Recantos jamais visitados. Pessoas jamais pessoalmente encontradas.
Amigos virtuais, que se tornaram reais. Amigos reais que se tornaram virtuais.
Minha mãe. Que orgulho de ti.
O sorriso franco de minha mãe.
A segurança das mãos dadas.
Essa era minha mãe. Meu pai fotógrafo, quem o pode imaginar.
Lembranças... Bairro Jaçanã - sim aquele que se eternizara no Trem das Onze de Adoniran Barbosa.
Perdas sentidas - pais, irmãos, filhos, amigos - foram agregando marcas num coração sofrido. Num coração, que ao ver da ciência, era disritmado. Era grande, enfim ... Era doente. Ah! coração. A levara!
Não me parecia, esse coração, possuir defeitos de fabricação.
Ele, a si traia. Deixava-se resplandecer através do luzeiro frontal.
Seus olhos de cor indefinida - ora esverdeado, como águas límpidas de um riacho, ora cor de mel - resplandeciam a saltarem-lhe o rosto. Coração afora.
Como podia ser doente, se sua vitalidade era infinita. Se seu gosto pela vida resplandecia nos seus trabalhos - crochês, tricôs, bordados, costuras, sem contar sua culinária deliciosa.
Incansável. Jamais ociosa. Dizia não saber deixar as mãos inertes. Precisava mantê-las ocupadas.
Feliz manifestava:
- Trabalhos executados pelas minhas próprias mãos.
Ah! Quantos espalhados por aí. Quantos ainda os guardo.
Para comigo manifestava prazer desmedido, quando eu elogiava seus trabalhos e os vestia - blusas, vestidos, quer bordados, quer em crochê, quer em tricô, quer cortados, montados e costurados em sua máquina de costura (adorava costurar também).
Dizia às pessoas o gosto de fazer as coisas para minha filha, porque
- "Ela está sempre a me elogiar. Ela gosta de tudo o que faço".
Ainda outro dia, ouvi um comentário de uma vizinha minha, que me disse que quando me vê, logo vem à lembrança minha mãe. Inseparáveis éramos aos olhos de todos.
Jamais nos separávamos. Boas lembranças essas.
Ah! Voltando... Com a ciência. Claro, devo concordar... Ele (o coração) era grande, maior do que o convencional. Claro! Para caber tantos amigos, tantos sonhos, tantas lembranças, só mesmo um coração enorme, que jamais rejeitava o que quer que fosse.
Araras - julho de 1982.
O bebê ao colo. Meu filho David.
Alexandre neto primogênito a abraça,
Juliana, a irmã, ao lado registra o momento.
Três netos a vida lhe proporcionara.
Dois filhos -esta que escreve (Inajá) e o filho Itabajara (que nos deixa em tenra idade (44 anos) em 1996.
Não pudera conhecer os 5 binestos destes 3 netos
Hoje essas raridades estão
Sabia entrar em qualquer lugar. Sabia sair. Sabia agradar. Sabia cativar. Sabia ser mulher. Filha. Irmã. Esposa. Mãe. Avó. Amiga.
Vestia-se com aprumo. Vaidosa como deve ser uma mulher que gosta de si e da vida. Cabelos sempre aprumados - nenhum fio fora do lugar. A pele alva, sem pintura. Nos lábios o batom não podia faltar - dava um colorido especial ao rosto rosado, dizia.
Porte altivo. Corpo elegante, de belas formas, altura ideal para uma mulher. O tom de voz suave, mas firme, encantava a todos.
Sua ausência se faz sentir em cada canto.
A cada qual sempre algo a dizer. Não ministrava conselhos. O exemplo a denunciava.
O olhar, sempre sereno, deixava transparecer a alma que sorria, mesmo estando chorando.
Sabia esconder as tristezas. Eram delas. Não as compartilhava. Sabia sofrer calada, jamais dividia com quem quer que fosse suas dores.
Ah! Quantas vezes a vi chorando em silêncio, quando perdeu seu filho - meu irmão. Mas, quando eu dela me aproximava, logo dissimulava e a conversa tomava outros rumos. Chegávamos até a rir de nossas próprias dores. E podíamos trazer nossas boas memórias em família. Voltávamos a ser criança.
Era a São Paulo, calma e serena, dos lampiões de gás, dos bondes. Do quarto centenário. Flâmulas pelo ar. Festa. Desfile pelas avenidas.
Tantas dificuldades que ela tão sabiamente soube transpor.
Dizer que não sinto sua falta ... mentira. Sinto e muita.
Dizer que não choro vez ou outra? Não posso confessar. Choro sim. Choro e muito, como criança que necessita de um afago, de um carinho, de um colo.
Quantas vezes choro por esse colo quentinho, aconchegante que já não me embala mais. Esse colo que me dava alento, que me dava descanso. Esse colo que tão bem me compreendia. Esse colo que perdoava minhas faltas. Que me levava para cima quando eu queria cair.
Ah! Mãe querida, que distância nos separa. Nós que éramos tão próximas, agora um abismo se formou. Já não ouço sua voz. Não sinto seu toque.
Mas, o choro cessa. As lágrimas param de correr rosto abaixo, e do fundo de minha alma, um sussurro sopra baixinho em meus ouvidos, dando completo alívio para minha dor, falando-me:
- "Vinde a mim você que está cansada e sobrecarregada, que eu te aliviarei, porque suave é meu jugo, leve é meu fardo".
Mãos generosas seguram as minhas e me levam às águas tranquilas. Sara minha dor e me dá novo alento.
É a mão misericordiosa do nosso Senhor Jesus Cristo.
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Que há no mundo, meus senhores?
Será uma senhorita
Cheia de prendas e primores?
Será a loira ou a morena?
A de olhos azuis ou pretos?
Será a grande ou a pequena?
Ou a de modos discretos?
Das distintas e elegantes,
Das de faces cor de rosa,
Das de sorrisos brilhantes,
Qual será a mais formosa?
Sem medo de errar eu digo:
Cheias de amor mais profundo,
As mais belas, meu amigo,
São as mães de todo mundo!
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