Uma frase encontrada em trabalhos escolares. Em classes colegiais. Entradas de bibliotecas. Jornais. Revistas. Livros didáticos inúmeros. Textos vários.
Seu autor o genial José Bento Renato Monteiro Lobato, ou simplesmente Monteiro Lobato nascido em Taubaté interior paulista, talvez jamais pudesse almejar tamanha repercussão.
É na América do Norte que se extasia, ante os monumentos de George Washington e Lincoln, prova concreta de "que a América tinha homens". É a visita a esse país que vem a lume o livro - América. Nada mais compreensível se:
"Um país se faz com homens e livros"... "Nos livros está fixada toda a experiência humana. É por meio deles que os avanços do espírito se perpetuam. Um livro é uma ponta de fio que diz: "Aqui parei; toma-me e continua, leitor"...
(p.46)
Sim, o gênio do autor consente que o leitor aponte o norte de uma obra, segundo sua vista. Dê-lhe conotação. É o que digo - eu Inajá - quando fechamos um livro o mesmo acontece na mente do leitor. Leitor que cria e recria as linhas do autor.
Mas o Destino quis levar Lobato a América e sua turnê segue a direção da Biblioteca do Congresso e no diálogo que trava com seu imaginário, vislumbra a magnanimidade daquela arquitetura esplêndida, a ponto de o deixar "tonto".
"Acho que quem vem a esta biblioteca não tem tempo de abrir um livo. Há coisas demais para distraí-lo e ocupar-lhe a atenção. E que é a biblioteca em si senão um livro - e o primeiro a ser consultado?" (p.49)
Percebe-se que o que lhe chama atenção extrema é a arquitetura assombrosa. Consegue ali, ante aquele monumento ler um livro de mármore antes de pensar em consultar os 3.890.096 itens impressos em papel.
"Acho que esta biblioteca foi o primeiro grande livro composto pela América..." (p.49)
Agora então era a vez da Biblioteca Pública da Quinta Avenida
"Sair da Quinta Avenida, o torvelinho perpetuo, e cair na Biblioteca Pública, corresponde a mudar de planeta. Reina lá um silêncio de recolhimento, e ainda uma constante temperatura de primavera, por mais que fora o verão escalde..." (p.211)
"Não há ali regulamento estragador do prazer do consulente; ou então o regulamento é feito de modo a coincidir com os impulsos naturais da criança que entra: "fossar" na imensidão de livros, sem atender a mais nada além da sua natural curiosidade e irrequietismo... O prazer das crianças é ali intenso, porque podem mexer à vontade. O "não faça isso, não bula nisso" não existe"... (p. 212-213)
Genial Lobato. Olhos atentos, mente aguçada. Pensou em tudo. Mediu as palavras. Lançou-as no livro América. Levou-nos aos homens, grandes mentes pensantes, aos livros, às Bibliotecas através das linhas, sem que nossos pés deslocassem o espaço.
Não há como deixar de se apossar das palavras tais quais o autor as expressa. Poderia transcrever outros tantos trechos inusitados das 312 páginas que compõe América, mas a leitura ficará a critério de cada leitor. Fica aqui apenas o desejo de querer um pouco mais.
A Fernanda Tozzi, futura arquiteta, meu apreço pela consulta e motivo maior destas linhas.
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Lobato, Monteiro - América / Monteiro Lobato. - 9ª ed. - São Paulo : Editora Brasiliense, [1931]
Outra matéria interessante para ser assistida:
https://www.youtube.com/watch?v=FO1up5NKTHo
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Petróleo, prisão e Zé Brasil
Em 1927, já bastante conhecido, Monteiro Lobato é nomeado para o posto de adido comercial em Nova Iorque, para onde se muda com toda a família. A experiência de vida em um país industrialmente desenvolvido o fascina: Lobato conhece novas técnicas de beneficiamento de minério de ferro, as auto-estradas, o metrô, o cinema falado, a indústria automobilística e tudo o que lhe faz reavivar a antiga paixão pelo moderno. Empolgado, sonha em criar no Brasil companhias que viabilizem a aplicação das novas tecnologias para a transformação de ferro em aço, prevendo grandes lucros num futuro próximo.
Mas no auge dos sonhos capitalistas, Monteiro Lobato aplica na Bolsa de Valores de Nova Iorque e, quando ela quebra, deflagrando a grande crise mundial de 1929, ele se vê sem nenhum dinheiro, tendo que regressar ao Brasil em meio a sérias dificuldades econômicas, que o levam a vender suas ações da Companhia Editora Nacional.
A partir de então, já aos 50 anos de idade, Monteiro Lobato passa a viver de seus ganhos como escritor e tradutor, passando horas diante da máquina de escrever, seja rearranjando seus próprios textos, seja criando novas histórias para o “Sítio” ou traduzindo outros autores. Mas sua fé no desenvolvimento do Brasil continua viva. Ele defende uma política que transfira para a iniciativa privada nacional a extração do petróleo e o beneficiamento do minério de ferro, encabeçando uma campanha em prol da formação de companhias de exploração de petróleo e tentando sensibilizar os governantes para a importância da causa.
"América" mostra a visão do escritor sobre a sociedade e a modernidade que ele vivenciou nos tempos em que passou nos Estados Unidos.
Em 1931, funda a Companhia do Petróleo do Brasil e mais três empresas co-irmãs, todas levadas ao fracasso, por motivos que vão de boicote econômico a sabotagem técnica, além das razões políticas apontadas por Lobato: o compromisso do Departamento Nacional de Produção Mineral e do Conselho Nacional de Petróleo com os interesses de grandes conglomerados petrolíferos internacionais.
Perdendo o dinheiro e as ilusões capitalistas, Monteiro Lobato muda sua posição diante do anteriormente admiradoamerican way of life, percebendo as complexas relações internacionais de poder dos monopólios que o sustentam. Essas reflexões o levam a publicar “O escândalo do petróleo” (1936), livro no qual narra as agruras de sua campanha petrolífera. Em 1937, já sob a ditadura de Getúlio Vargas, o livro é proibido de circular e as relações de Monteiro Lobato com o governo tornam-se complicadas. Em 1941, após recusar a assumir a direção do Ministério da Propaganda e enviar uma carta a Getúlio Vargas, responsabilizando-o pela má política nacional de minérios, Monteiro Lobato acaba sendo preso. Fica na cadeia por cerca de três meses e se compadece dos problemas dos detentos. Tenta ensinar um deles a ler, partilha os doces que lhe enviavam e faz-se porta-voz dos presos.
Ao sair do presídio, desencantado com o governo, amargurado pela perda recente de dois de seus filhos, ainda jovens, e pelo suicídio do cunhado, Monteiro Lobato passa a viver de direitos autorais e traduções, até que, em 1946, muda-se para a Argentina, onde funda a editora Acteon. Mas a saudade do Brasil e dos amigos o traz de volta, já no ano seguinte.
Já convicto dos problemas do capitalismo internacional e liberto das ilusões juvenis, Monteiro Lobato retorna à figura do caipira, do Jeca Tatu, mas, dessa vez, sob uma ótica totalmente diferente.
Em vez de usar o caipira para personificar o atraso da agricultura brasileira, Lobato faz uma auto-crítica de suas idéias de 1914, quando ainda não sabia reconhecer a amplitude do problema agrário nacional, lançando “Zé Brasil” (1947). No livro, O Jeca ressurge como Zé Brasil, um sem-terra para quem, a única esperança de salvação está representada no Cavaleiro da Esperança, Luís Carlos Prestes.