De repente, uma viagem nos motiva, faz o tempo parar, dá-nos fôlego, visão de que há um tempo de refrigério, de não fazer nada - curtir a paisagem, o percurso, as pessoas que nos cercam de carinho.
De repente, um dia apenas, nos faz refletir a possibilidade em apenas nos dar o descanso necessário possível - a oportunidade de esvaziar a mente, o dia atarefado, o quarto fechado, armários abarrotados de saudade, de memórias passadas.
De repente, nos damos conta de que o armário espaçoso já não preenche o vazio da alma, que clama presença, numa ausência que se estende, palavras não ditas, silêncios conturbados.
De repente, o armário se torna peça desnecessária - objetos que não mais cumprem sua utilidade, aos poucos vão se tornando estranhos - roupas em cabides, gradativamente envelhecem sem uso, postergado para algum momento especial que jamais chega.
De repente, o tempo passa - dia após dia. O peso se torna insustentável e o corpo clama alívio - basta!
É quando, de repente, as gavetas se abrem, objetos, roupas, lembranças esquecidas, memórias rotas, são retiradas e a consciência vai se esvaziando de pesos mortos. A alma se transforma, o passado se reescreve.
E, quando de repente os espaços se reorganizam, os vazios se dão conta de que é possível o tempo fluir de presente, as gavetas se encherem de novos sonhos e esperanças, ante a perspectiva de que em cada espaço esvaziado de passado, que se permitiu estancar, a vida fluir leve, porque a história, agora, é decisão de deixar partir o que nos aprisionou por tanto tempo, possível apenas num de repente, quando uma viagem nos permite olhar além da janela do quarto.
Porque, somente quando se permite alongar horizontes, sair das quatro paredes de um quarto, reorganizar o interior e se perceber em um novo recomeço, através do que já não se torna mais necessário, é que se começa a viver uma nova etapa da vida, aquela somente alcançada, quando de repente, uma viagem, o simples passeio, torna possível o que em longa jornada se julgava impossível, porque num repente, os olhos passam a observar o clamor da alma a pedir por espaço.
Texto de Inajá Martins de Almeida